‘Cheguei ao fundo do poço e decidi que sairia de lá vivo’

Entre um aperitivo e outro, bebendo socialmente nas reuniões com amigos e festas familiares, quando tinha pouco mais de 20 anos João Ribeiro da Silva, hoje com 71 anos, não se deu conta de que estava ficando dependente do álcool. Quando percebeu, já estava entregue ao vício da bebida. Um caminho sem volta? “Não para quem tem fé em Deus e força de vontade”, afirma ele, que no próximo dia 12 completará 30 anos sem ingerir álcool e que atualmente complementa a renda vendendo garapa de cana, a mesma matéria-prima da pinga.

João conta que a primeira bebida alcoólica que tomou foi uma mistura de pinga com groselha, quando ele tinha 20 anos. Adorou o sabor doce e o visual colorido da inebriante mistura. O prazer da bebida, que começou como uma diversão entre amigos, com o tempo, se tornou dependência, necessidade. “Não tinha mais controle sobre o desejo de beber e passei dez anos da minha juventude destruindo a minha vida e a vida das pessoas ao meu redor, iludido com o prazer ilusório do álcool”, conta.

Quando se casou com Zaira Frederico Ribeiro, ambos com 23 anos, João ainda não era dependente do álcool. Tiveram um casal de filhos e tudo ia bem até que o consumo de bebidas passou a ser cada vez mais freqüente e se tornou rotineiro, diário. “Na época, eu não percebia que o meu vício estava entristecendo e prejudicando minha esposa e meus filhos. E quando me dei conta, estava gastando todo o meu salário de funcionário público em cachaça e outras bebidas. Deixando, até mesmo, de pôr comida na mesa”, relata.

A sarjeta era o limite. Segundo João, ele só parava de beber quando caía, literalmente. Muitas vezes sem dinheiro para comprar aguardente, ele fazia jogos de apostas com os amigos. O aposentado conta que, certa vez, apostou com um grupo de colegas que iria, à meia-noite, a um cemitério buscar flores dos túmulos para, em troca, ganhar uma garrafa de pinga.

“Como não estava em meu estado emocional normal, devido à necessidade de ingerir bebida, cumpri a aposta”, relata. Hoje, ele ri ao contar essas histórias e diz não se entristecer com elas. Ao contrário, ele as conta aos mais jovens para alertá-los contra os perigos do alcoolismo.

Internações

Ao todo foram 17 internações em hospitais psiquiátricos da região de Bauru. Sempre incentivado pela família e amigos, João tentava se curar do vício. Porém, as internações não davam resultado. “Nesses hospitais eu tomava calmantes, antidepressivos, vitaminas, trabalhava, praticava esportes, mas sempre dava um jeito de fugir de lá”, lembra-se.

Segundo o aposentado, ele não conseguia se firmar no tratamento porque não estava certo de que precisava abandonar a bebida. Ele ficava internado períodos de cerca de três meses. Quando saía - fugido ou com alta -, passava em um bar e chegava bêbado em casa.

Percebendo a pouca vontade de se libertar do vício, Zaira, sua esposa, decidiu pedir a separação, depois de mais de dez anos de casados. Longe da família, a garrafa de pinga passou a ser companhia constante na vida de João, que chegava bêbado no trabalho e, muitas vezes, era mandado de volta para casa.

Ele conta que chegou a passar 45 dias bebendo, sem se alimentar. Mas sentia que isso precisava mudar. Foi quando encontrou um velho amigo dentro de um ônibus circular na cidade. “Esse meu amigo era um ex-usuário de drogas. Ele me indicou o “Esquadrão da Vida”, entidade bauruense que trabalha com a reabilitação de dependentes químicos”, conta.

Um sorriso de menino nasce no rosto de João ao falar sobre a sua reabilitação. “Senti Deus agindo em meu coração no momento em que encontrei aquele meu amigo. E desde o dia 12 de fevereiro de 1979, data em que me internei no Esquadrão da Vida, não coloco mais uma só gota de álcool na boca”, alegra-se. Foram dez meses de luta e sacrifício, até conseguir a vitória.


• Serviço

O Esquadrão da Vida é uma instituição beneficente que oferece oportunidade de reabilitação aos dependentes químicos. Mais informações sobre a instituição e o trabalho realizado pelo telefone (14) 3222-5076, no período da manhã, ou (14) 9772-1144.


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De João Saca-rolhas a João de Deus

Fé e determinação. Segundo João Ribeiro da Silva, esses foram os remédios que o curaram. Nada mais. “Não fui medicado. Meu remédio foi a oração diária, o apoio da minha família, amigos e dos voluntários do Esquadrão da Vida. Eu podia sair quando quisesse de lá, ninguém me prendia, ao contrário das 17 internações anteriores. Fiquei até me sentir livre e sem vontade de beber”, conta.

Na instituição ele praticava esportes, trabalhava, cantava, brincava com os amigos e orava muito, diariamente, por dez meses, até que se sentiu pronto para voltar ao convívio social. Já curado, como gosta de dizer, João foi reconquistando tudo o que havia perdido para o álcool. Um ano após sua saída da instituição, ele reatou seu casamento, depois de sete anos e meio de separação, e voltou a trabalhar como funcionário público. Deixou de ser conhecido como João Saca-rolhas e passou a ser chamado de João de Deus, devido a sua fé e seu trabalho na Pastoral da Família da Igreja São Benedito.

Com o espírito jovem e saúde de ferro, o aposentado encontrou uma nova fonte de renda e dedicação. Há 14 anos ele vende caldo de cana no Centro da cidade. “Me sinto jovem demais para parar de trabalhar. Fui ao fundo do poço por causa da cana e hoje trabalho com ela, chega a ser engraçado”, brinca.

Para os dependentes químicos e alcoólatras, João deixa uma mensagem de incentivo. “É necessário ter vontade e abandonar o copo e acreditar em Deus e no nosso poder de transformar a nossa vida. O carinho e o apoio da família também são fundamentais. Desde que parei de beber me sinto um novo homem. Danço, vou às festas e viajo com minha esposa. Sou um homem alegre de verdade. Ser um exemplo de perseverança, determinação e fé é minha maior felicidade”, exclama.

Fonte: jcnet.com.br

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